sexta-feira, janeiro 05, 2007

Cemitério de Pianos de José Luís Peixoto

À procura, procura o vento. Porque a minha vontade tem o tamanho de uma lei da terra. Porque a minha força determina a passagem do tempo. Eu quero. Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca árvores pelas raízes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo. Eu sou capaz de correr através desse grito, à sua velocidade, contra tudo o que se lança para deter-me, contra tudo o que se levanta no meu caminho, contra mim próprio. Eu quero. Eu sou capaz de expulsar o sol da minha pele, de vencê-lo mais uma vez e sempre. Porque a minha vontade me regenera, faz-me nascer, renascer. Porque a minha força é imortal.

Estas são palavras de José Luís Peixoto, no seu mais recente romance Cemitério de Pianos.

Cemitério de Pianos conta a história do clã Lázaro, uma família com pai, mãe, filhos e netos, residente em Lisboa, na freguesia de Benfica. Também nos Jogos Olímpicos de 1912, em Estocolmo, o maratonista português Francisco Lázaro morre ao quilómetro trinta. Era carpinteiro numa oficina do Bairro Alto. Por aqui há passeios em Monsanto, há a telefonia a tocar, há semáforos e há telefones na casa do carpinteiro, quatro coisas que não existiam em 1912.

José Luís Peixoto alcança, desta forma, uma ponte entre a «realidade real» de um carpinteiro atleta de 1912 e uma família dum certo tempo português. Uma família que coloca o amor e a morte em doses iguais e onde se respira o verso dum folheto: "Enquanto um de nós estiver vivo seremos sempre cinco".
As palavras do escritor ligam duas realidades que o tempo separou e são um ponto de encontro entre verdade e ficção. Mas sem equívocos: "O tempo, conforme um muro, uma torre, qualquer construção, faz com que deixe de haver diferenças entre a verdade e a mentira. O tempo mistura a verdade com a mentira. Aquilo que aconteceu mistura-se com aquilo que eu quero que tenha acontecido e com aquilo que contaram que me aconteceu. A minha memória não é minha. A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio: com o meu medo, com a minha culpa, com o meu arrependimento".
Este Cemitério de Pianos é uma metáfora do Tempo Português do século XX. E o testemunho de que a única resposta à morte só pode ser o amor.

José Luís Peixoto nasceu em Galveias, Portalegre, em 1974. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas e foi professor do ensino secundário. Colabora regularmente em vários jornais e revistas e escreve para teatro e para cinema. Em 2001 recebeu o prémio José Saramago pelo romance Nenhum Olhar. Em 2002 foi o primeiro autor português convidado para a residência de escritores Ledig House, em Nova Iorque.