segunda-feira, janeiro 01, 2007

Bem-vindo 2007

Este é mais um novo ano de uma fotografia contínua... de um punctum permanente...

Ainda ontem me considerava
Um fragmento a vacilar sem ritmo
Na esfera da vida
Hoje sei que sou esfera
E toda a vida em fragmentos rítmicos
Se move dentro de mim

Kahlil Gibran

Sente frio. Calor. Algum tremor.
Lá fora uma manhã primaveril que alterna o chilrear dos pássaros com o esvoaçar das andorinhas. No horizonte? O que se quiser: Azul celeste… turquesa… marinho… azul. Para ele feitiço. Que cega. Cega o passado. Cega o futuro. Cega o presente. Caixa de qualquer iguaria? Aroma estacionário? Talvez escadarias de cetim... sem fim. Porquê? Porque ele espera. Espera que o azul termine. Espera que o tempo mude. Espera. Mas o que mais necessita de mudar, não muda: Também aqui permanece à espera. À espera do mundo. À espera sentado.
Lá fora a Primavera permanece de pé, deixando cair sobre a terra o seu festim. Festim de cores. Areal de sabores. Notas musicais. Melodias banais que atravessam a janela do seu quarto e chegam a ele, sentado por detrás do véu que o separa do frio. Do calor. Do tempo. Ainda assim, sente a brisa a tocar-lhe a pele, sente a pele a fechar-lhe os olhos e deixa-se adormecer. Sonha sentado: Ve o vento… o ar. Movo o fogo… a água. Escuta a terra. Oásis renascidos, rotas tingidas, palavras esquecidas despidas de vida. Vê o que nunca viu. Não há céu nem véu. Ondula no tempo. Saboreia o infinito. Ouve uma folha a ruir e, também lá no fundo, um fruto a cair de uma árvore por ninguém ter olhado para ele. Por ninguém ter chegado a tempo. O mesmo tempo que ainda lhe resta. Os mesmos restos que o despertam: três… dois… um… e o tempo não pára.
É o sinal.
O sonho acorda e acorda-o a ele. Ele acorda o seu silêncio.
Temeu a noite. Por sorte ainda era dia. Sai à rua e deixa-se ir à deriva no tumulto das multidões. Não tem a certeza de ter alguma vez estado naquele local. No entanto, já não sente frio. Já não sente calor. E nem as nuvens cinzentas que lá no alto se fazem espreitar, o fazem parar.
Continua em frente. Enquanto anda olha em volta e fixa o olhar em coisas que nunca veria se não tivesse esfriado o banco. Acredita no sonho. Quer chegar a tempo de olhar de novo a árvore. Resgatar o fruto. Percorrer em busca de novos frutos para desenhar na sua tela.
Recorda o dia em que lhe fora dada: Houve risos, houve choros, houve alegria. Escutaram-se os parabéns. Ofereceram-se presentes. Estava deserta a sua tela, tal como ele. Cresceram juntos e juntos permanecerão. Cada dia inventando um tom… um traço… uma linha… realçando uma nuance imperceptível.
Por vezes sai tremido o traço. Não gosta. Queria poder apagá-lo. Mas, depois quando continua o tracejado, apercebe-se de que foi com aquele traço tremido, feio, perdido, que conseguiu perseguir novos traços, persistir em novas linhas. Mais exigentes. Mais consistentes.
Insiste.
E sente-se artista. Artista da sua tela. Artista da sua vida – e o objectivo profundo do artista é dar mais do que aquilo que tem! (Paul Valéry)
Passa horas na mesma loja à procura do tom de tinta certa. Não gosta de deixar nada ao acaso. Gosta de poder escolher o pormenor. Talvez por isso saiba que nunca ficará pronta a sua tela. Queria tanto pendurá-la na parede do seu quarto. Mas não se importa e diz ser boa a sensação de querer chegar ao fim, mesmo sabendo não haver fim.
Infimamente inacabada. Infimamente sua. Nunca ficará pronta de facto.
Mas também o que faria ele, depois, nos seus tempos mortos?


feliz 2007