segunda-feira, maio 21, 2007

Será interessante insistir na preservação das palavras?

A morte dos vocábulos é natural no contexto evolutivo da língua. Mas será que devemos insistir na sua preservação? Eis a dúvida que se põe aos especialistas e utilizadores da palavra.

Contrariando a corrente linguística, alguns professores e escritores portugueses defendem que a tendência para simplificar a fala e a escrita quotidianas espelha o empobrecimento do uso da Língua. Por seu lado, os linguistas atribuem esse facto ao empobrecimento de raciocínio e ao défice cultural dos falantes.

Recentemente, a Escola de Escritores de Madrid, juntamente com a sua congénere de Barcelona, lançou uma campanha na Internet convidando os utilizadores a elegerem uma palavra castelhana e catalã em risco de desaparecer devido ao seu crescente desuso por causa de estrangeirismos ou termos «tecnocráticos e politicamente correctos».

Desconhece-se se esta iniciativa teve repercussões na alteração de usos linguísticos em Espanha ou noutros países hispânicos mas, em cerca de um mês, mais de dez mil palavras «recuperadas» foram pronunciadas por 21.632 pessoas, entre personalidades da literatura, cinema, música, jornalismo, política e ensino.

Inspirados na experiência espanhola, dois rivais deputados chilenos esqueceram, momentaneamente, as desavenças políticas e comprometeram-se a pronunciar, pelo menos três vezes por ano, uma palavra em desuso e a escrevê-la nos seus discursos e comunicados, convidando a presidente do país e líderes de opinião a repetirem o gesto.


Em Portugal...


Em Portugal, segundo o Diário de Notícias, alguns professores, escritores, tradutores e antigos jornalistas, contactados pela agência Lusa, opinaram acerca do interesse (ou falta dele) de promover campanhas para salvar palavras do léxico português «em vias de extinção».

As opiniões dividem-se: Há quem defenda que semelhantes iniciativas seriam despropositadas, uma vez que a Língua evolui no tempo, consoante a realidade disponível e a adesão dos falantes às mudanças. E, em contrapartida, há quem aplauda essas medidas como forma de combate ao empobrecimento vocabular.

Pedro Braga Falcão, jovem tradutor e professor de Latim na Universidade Católica, acha que "não é por um político escolher duas palavras por ano e dizê-las de propósito nos seus discursos, que o uso do léxico português vai ser melhorado".

A seu ver, o enriquecimento do vocabulário pressupõe um gosto e cultivo diário da Língua, através da leitura atenta e da consulta de um bom dicionário, e não de o simples decorar de "listas de palavras eruditas e descontextualizadas" ou da repetição de uma palavra que um "qualquer político diz certa vez" nas suas intervenções públicas.

Maria Lúcia Garcia Marques, investigadora do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, sustenta, neste contexto, que uma campanha para preservar palavras em desuso, apesar de "meritória", é "ingénua", pois "o léxico deixa de ser válido consoante o tempo, a idade dos falantes, os objectos e sentimentos que designa, sendo até permeável a certas modas e publicidades".

A linguista esclarece ainda que, com o fim da censura linguística após o 25 de Abril de 1974, "certas palavras que eram proibidas pelo regime da Ditadura foram recuperadas, como por exemplo «fascista»".

Também "o vocabulário sexual teve uma libertação enorme", salienta, referindo que os órgãos genitais femininos e masculinos passaram a ser mencionados sem recurso a metáforas ou eufemismos.

Já o escritor de livros infantis e ex-jornalista José Jorge Letria acredita que existe uma "ausência de cumplicidade com as palavras", que suscita o desaparecimento de "vocábulos muito bonitos", como «temperança», entendendo que deveria ser organizada uma campanha nacional em defesa do seu uso quotidiano.

Na opinião do responsável pela Sociedade Portuguesa de Autores, competiria aos linguistas, em articulação com os Media e instituições privadas e estatais de promoção da Língua, efectuar um trabalho de pesquisa de palavras em risco de desaparecer que pudessem ser recuperadas na linguagem corrente e encontrar "o meio-termo entre o vernáculo, que gera incomunicabilidade, e o facilitismo, que gera laxismo" argumenta.

Esta opinião é partilhada por Arnaldo Espírito Santo, professor do Departamento de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras de Lisboa, que considera igualmente importante este trabalho, recorrendo-se ao repositório da literatura, pois a Língua, além de "instrumento de comunicação imediata" é "um armazém de cultura".

"Preservar vocábulos que a própria vida não exige é tão inútil como recusar os vocábulos que as novas realidades impõem", contra-argumenta o escritor Mário de Carvalho, realçando que, para certos conceitos técnicos, teve que se importar estrangeirismos até que fossem banidos do léxico ou aportuguesados.

Quanto à tendência para simplificar a linguagem escrita, quando se enviam mensagens por telemóvel ou correio electrónico, ou para «uniformizar» as conversas, pode estar a contribuir, segundo a tradutora e editora Margarida Vale de Gato, para a perda de uso de palavras e regionalismos, sem que isso signifique uma lacuna linguística. Em seu entender, a «mudança» da Língua, a «cargo dos falantes», é "benéfica e verdadeiramente o aspecto que a mantém viva", pelo que duvida um pouco das «medidas de protecção linguística que pretendem impor pela norma o que se faz pelo uso».

O poeta e ensaísta Ernesto Rodrigues conclui, a este propósito, que "a Língua terá sempre arcaísmos e neologismos, as palavras vão e voltam, morrem e ressuscitam, enriquecem-se com outros sentidos".

Talvez a leitura tenha uma palavra a dizer.